Análise: Outlet no Brasil x Exterior

Não raro, encontramos nas páginas das revistas e jornais nacionais, anúncios de operadoras de turismo oferecendo pacotes de viagem com um roteiro exclusivamente dedicado a compras em Orlando.



Não por acaso, em 2009, cerca de 890 mil turistas brasileiros visitaram os Estados Unidos, especialmente as cidades Miami e Orlando. É de domínio público que o sucesso dos outlets norte-americanos se deve a uma fórmula de gestão cartesiana, na qual os principais atributos são marcas famosas, excelente custo-benefício para o consumidor e localização estratégica. O know how faz, inclusive, com que os outlets dos Estados Unidos sejam os mais baratos do mundo; mais baratos do que os do Brasil, de acordo com uma pesquisa recente. É exatamente nesse ponto que concentro a minha análise, que classifico como dissonante. Com base na experiência de mais de 15 anos de atuação no mercado brasileiro de shopping centers e com o tempo que dedico à pesquisa contínua de tendências do setor nos Estados Unidos, Europa, América Latina e Ásia, defendo que essa não é uma comparação justa já que o Brasil não possuía, até o ano passado, um empreendimento que pudesse ser classificado de fato e de direito como um outlet.

Com a instalação do Outlet Premium São Paulo na cidade de Itupeva, o País estreou no conceito, tornando factível um modelo empresarial similar ao surgido na década de 1970, nos Estados Unidos. Na essência, um outlet agrega produtos de diversas marcas – inclusive do segmento de luxo – que percorreram um ciclo de vida comercial cuja última etapa de escoamento para o mercado consumidor é o outlet; motivo este do preço mais acessível. Na Europa, mais especificamente em Portugal, o Freeport Outlet é um excelente exemplo de êxito não somente por ser o maior outlet europeu, mas por unir compras e entretenimento para adultos e crianças. Essa é uma das lições importantes do modelo europeu! Por mais que o foco recaia sobre as compras, os empreendedores investem – e atraem empresários interessados em investir – para que o consumidor associe o local a um espaço para o lazer, gastronomia e compras. Mesmo correndo o risco de ser muito pragmático, tenho convicção de que esse cliente dedica mais tempo e mais dinheiro em sua estada nesse “centro de entretenimento”.

Enquanto no Brasil estamos praticamente ingressando no negócio, dados da Asociación Empresarial de Comercio Textil y Complementos (Acotex), revelam que em 2009 o segmento representou 12% do total de negócios gerados por comércios têxteis na Espanha. Nos últimos três anos, os outlets espanhóis duplicaram a participação no setor. Embora a crise econômica mundial tenha gerado uma queda no faturamento, o setor têxtil faturou 18,3 milhões de euros. O levantamento apontou, ainda, que a maioria dos formatos comerciais do setor téxtil foi afetada pela conjuntura econômica de 2009, mas os estabelecimentos multimarcas nos outlets – que haviam perdido peso nos últimos 10 anos – foram os que mais lucraram, alcançando quota de 26% no mercado. Na Espanha, com destaque para Madri, há 14 outlets que somam 224 mil metros quadrados de área bruta. Esse desempenho e relevância econômica tem estreita ligação com uma nova cultura que associa o outlet a uma oportunidade de negócio relevante – não apenas uma forma de escoar coleções antigas sem comprometer o prestígio da marca entre os clientes VIP. A segunda lição é mostrar aos gestores de marcas e produtos que o outlet tem potencial e vocação para projetos mais ousados de marketing e marca.

Essa nova cultura de consumo ultrapassa as fronteiras da Europa e atinge a Ásia. Uma reportagem publicada em maio pelo jornal londrino The Independent, relata que o Japão descobriu que o outlet pode ser cool – o que indica mudanças drásticas nos hábitos de consumo do povo japonês que passou a defender o consumo consciente. Quando o primeiro outlet foi instalado no país, em 1993, havia uma percepção errada de que esses centros comerciais vendiam produtos danificados ou fora de linha; os ricos – profundamente conectados com uma cultura de ostentar o luxo – viam os centros como algo duvidoso. Diante do maior colapso econômico da década, os japoneses estão mais cuidadosos com o dinheiro e o consumo em geral. Essa nova percepção de consumo instigou os gestores a criar temas para os outlets: um deles, o La Fete Tama Minami Osaka, reproduziu uma vila da Provence (França) na zona oeste de Tóquio. A reportagem salienta que novos investimentos deram origem à exportação do modelo: empreendedores japoneses como a Mitsui Fudosan anunciaram a construção de um outlet na província oriental chinesa de Zhejiang, na primavera de 2011. Inovação e senso de oportunidade são as lições dos gestores da Ásia.

Nos Estados Unidos – mentores e maiores gestores do formato –, estimativas apontam para a existência de 300 outlets que movimentam cerca de 30 bilhões de dólares por ano. No Brasil, os empreendedores são cautelosos nos planos de expansão do formato fora do eixo Rio-São Paulo, tendo dois argumentos: os consumidores do mercado de luxo se concentram nesses dois Estados (São Paulo responde por 75% a 80% da demanda) e a impossibilidade de os lojistas abastecerem os outlets, pois os artigos de luxo têm escala de produção reduzida. Nesse contexto, entra a quarta lição. Há uma legião de consumidores de alto luxo no Brasil que têm fortunas oriundas do agronegócio, que se deslocam – especialmente do Centro-Oeste e Sul do País – para fazerem compras em São Paulo. O Norte e Nordeste, que reúnem cerca de 40% da população brasileira, assistiram a um crescimento significativo na renda. Em Rondônia, as vendas do varejo subiram 31,7% de março de 2009 a março de 2010, segundo o Intituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – a segunda taxa mais alta do País e o dobro da média nacional. Não estou sozinho nesse raciocínio de que há oportunidades fora do Rio de Janeiro e de São Paulo, pois um grupo já anunciou a construção de um outlet voltado ao consumo de luxo, no Rio Grande do Sul.

Entretanto, a questão que proponho é discutir o público-alvo dos empreendimentos. Nos Estados Unidos e na Europa, os consumidores de menor poder aquisitivo compram em outlets as mesmas marcas que os abastados usam; o que muda é que são itens de coleções passadas. Dados da Chic Outlet Shopping – que possui empreendimentos próximos às cidades de Paris, Londres, Barcelona e Milão – mostram que os brasileiros estão no ranking das 10 nacionalidades que mais compram, ou seja, figuram em uma lista de chineses, russos e japoneses. Nessa rede, as transações individuais dos brasileiros correspondem a 319 euros, o que equivale a três euros a mais que os norte-americanos. No Brasil, questões mercadológicas compõem um modelo varejista com diferentes características dos mercados europeu e norte-americano, mas que comporta soluções adequadas aos trópicos.

Ao analisar os shopping centers nacionais não tenho dúvidas que estou diante de um mercado maduro, que vive um momento de franca expansão e perspectivas de faturar R$ 80 bilhões em 2010. Em contrapartida, essa expertise não significa que o mesmo formato possa ser aplicado ao negócio de outlet. No Brasil, os shoppings são um fenômeno da elite com 78% dos consumidores das classes A e B, embora tenhamos exemplos de sucesso destinados às demais classes. Com profundo conhecimento dos hábitos de consumo do brasileiro; com visão global do negócio; e investimentos em inovação, podemos fazer mais e melhor para criar um outlet nacional que representará um novo patamar do conceito no mundo. E, por que não, a evolução do formato.

* Arnaldo Kochen

Diretor da Kochen Associados, Arnaldo Kochen – graduado em Administração de Empresas pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) – possui 15 anos de experiência no mercado de shopping centers, tendo atuado como professor de comercialização no curso de Administração de Shopping Centers da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Membro do Conselho do CasaShopping (Rio de Janeiro) e diretor da Associação dos Shoppings de Decoração (ASDEC), o executivo é diretor da Check Your Mall – empresa especializada na avaliação da funcionalidade, atratividade e qualidade operacional e comercial de shopping centers.

 

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